30 de junho de 2014

27 de junho de 2014

Beatitude

Inspirou profundamente o ar cinzento
do fumo que gradualmente lhe aniquilava
os pulmões.
Olhou em frente e viu a cidade outrora esquecida.
A cidade da sua infância erguia-se à sua volta,
como em tempos o fizera,
porém, desta vez sentiu-a bem-vinda,
não a criticou, não a caluniou.
Sentou-se num banco
rodeado de árvores e beatas.
Inalou novamente o fumo
que lhe tranquilizava as iras.
O aglomerado de moléculas tóxicas
soltou-se da sua boca e desvaneceu-se no ar.

25 de junho de 2014

Cabelo

Tenho o cabelo sujo. Há semanas que carrego este cabelo sujo na minha cabeça. Causa-me comichões, deixa-me irrequieta. Quero tocar-lhe, mexer-lhe, arrancar pequenos fios e saborear o prazer que as ondinhas de dor deixadas na cicatriz da raiz me causam. Quero arrancá-lo, puxá-lo, arrancá-lo todo. Deixa-me irritada. Sai pelo cabelo o fracasso da minha mente. Desfragmenta-se nas pontas duplas.

Nas pernas, os pêlos do inverno abrem alas para os ventos do verão por vir. Movem-se e causam-me a sensação de que um pano de seda corre pelas minhas pernas. Abro as janelas e as portas da casa e coloco-me no ponto onde as partículas se chocam, para sentir melhor a seda que as minhas pernas me dão mas que a carteira não me permite [obter]. Desfruto o momento e esqueço o cabelo por breves instantes.

As minhas lágrimas sempre sofreram pelos fracassos da minha mente. Mais que os meus cabelos, as lágrimas. Anseiam pelo momento em que poderão escorregar pelos meus olhos abaixo. Algumas fogem-me dos olhos nos dias solarengos. Não deve haver espaço para todas, suspeito. Deixo-as sair nos dias de chuva, para que se confundam e julguem que o chão é a sua direção e o céu a sua origem. Mas os meus olhos vermelhos não mentem.

20 de junho de 2014

Poema curto

E, uma vez mais, as palavras perdem-se
Entre o que é e o que não volta a ser.
Prendem-se na garganta, rasgam desejos,
Prendem-se a sonhos outrora degolados,
Rompem barreiras por Cronos delineadas
E acabam perdendo-se em razões esfumadas.

16 de junho de 2014

Esta noite é só mais uma
Noite preguiçosa, vulgar.. inútil!
Inspiro espinhos de uma rosa negra e
Expiro um ar amargo que por vezes me sufoca

Inspiro-me na escuridão
De onde virão tais pensamentos?
O desafio ataca-me e desperta-me a vontade
Sinto-me incapaz de usar um mero lápis

A minha mente flui e foge
Para um mundo que não me pertence
Ou será este o meu mundo?
Minha mente cria imagens, obras e composições
E eu...eu não crio nada
Sinto-me incapaz de usar um mero lápis.

Adapta-te...ouço gritos de alguém a torcer por mim
A acreditar em mim...alguém
Mais uma rasteira da minha mente

Preguiçosa, vulgar.. inútil!

Adormeço no meu descanso...
esta noite é só mais uma
Em vão.

11 de junho de 2014

Prosa

Abri os olhos e eram quase quatro da manhã. Sentia-me exausta e ainda não tinha conseguido adormecer, o sono esquecera-se de mim por mais uma noite. Fitei o tecto. Por instantes quebrei as leis da física e rompi barreiras espácio-temporais. Quando voltei a mim percebi que estava a sonhar acordada. Talvez por não conseguir dormir, esta foi a forma que o meu corpo encontrou de fugir à situação desconfortável em que estava, obtendo assim um pouco de descanso ligeiro.

Aflige-me o mundo, ouvi alguém dizer. Olhei em volta. Não havia mais ninguém no quarto. Lá estava eu a fugir, outra vez, para a lua. Alguém me dissera, realmente, aquilo. Quem foi? Não me recordava. Quando foi isso? Não sabia. Que miséria ser jovem com falta de memória! Pensando melhor, talvez fosse melhor assim. Como diz o velho ditado: o que os olhos não vêem, o coração não sente. É preferível não recordar que depararmo-nos diariamente com algo que nos aflige excessivamente. Ou não? Será melhor enfrentar uma dura realidade todos os dias, lutar contra ela até gastarmos a nossa última molécula de glicose? Ignorância ou mal-estar? Boa questão! Um personagem de romance, nobre de espírito, escolheria a segunda opção. Quase que o conseguia ver, talvez um cavaleiro, para dar asas a este cliché, a empunhar a sua espada, montado no seu cavalo, vestindo um olhar corajoso… Contudo, e tendo em conta que não tenho a minha espécie em grande consideração, deduzi que todas as pessoas à face da Terra optariam inconscientemente pela primeira. E porquê inconscientemente? Porque muitas delas, se soubessem da minha convicção, procurariam modificá-la. Tentativas falhadas de vangloriar a espécie humana.

Quem levou outras espécies à extinção sem necessidade? Quem conspurcou o planeta com tóxicos e lixo não-degradável? Quem se acha senhor do cosmos e tenta manipular tudo, sem ponderar as consequências? O Homem. O Homem. O Homem. Vivemos tão racionalmente isolados nas nossas cidades e vilas, tão emocionalmente ocupados com procuras de respostas e momentos que nem sabemos serem possíveis. Critico-me a mim. Eu que tenho preguiça de reciclar, que deixo pontas de cigarro no passeio, que perco a cabeça com nada de importante e que deixo passar tantas oportunidades de melhorar a realidade de alguém, desta ou doutra espécie. Olhei novamente o relógio. Cinco em ponto. Voltei a fechar os olhos. Com sorte a minha cabeça barulhenta só voltaria a revelar-se na manhã seguinte, depois de umas horas de sono há muito esperadas.

9 de junho de 2014

História de um quase afogamento

Tinha as roupas encharcadas. Tanto eu como ele. Aliás, ensopadas seria o termo correto. A chuva teimava em cair e as ondas rebentavam violentamente contra os rochedos e sobre a areia, cujos grãos mais finos e leves esvoaçavam ao sabor do agreste vento inverno-típico.

Tinha conseguido tirá-lo da água, embora agora estivesse num estado de inconsciência. Sabia que não tinha partido porque ainda ouvia a sua respiração. Fraca, ténue e prestes a silenciar se a água que invadia os seus pulmões não fosse expelida rapidamente.

No entanto, estava exausta. O esforço de lutar contra a maré tinha sido demasiado. O peso do seu corpo, agravado às pesadas vestes e à consciência pesada tinham exigido de mim uma força que nem eu sabia que detinha.

Jazia agora na areia, de barriga para cima, enquanto, sem saber, esperava pela minha decisão: salvar ou partir, pegar ou largar, deixá-lo à vida ou entregá-lo à morte. Quantos antagonismos me trespassavam a mente! Think fast but choose wisely, sussurrava uma voz sumida dentro da minha cabeça.

Levantei-me da areia e sacudi as pequenas partículas que insistiam em permanecer coladas à roupa. Olhei em redor. Ninguém. Mentalmente, construí uma balança com os prós e contras. Um dos pratos começou a pender para o seu lado. É isso. Meteu-se nesta embrulhada, agora que saia dela. Já fiz mais do que devia.

Dirigi-me para as sapatilhas que tinha deixado à chegada da praia, mesmo ao lado do telemóvel com o qual me ligou a avisar-me da sua intenção de «se entregar às revoltas ondas do tenebroso oceano». Peguei nas sapatilhas e deixei o telemóvel, podia ser que lhe fizesse jeito de alguma forma. Avancei até à paragem de autocarro mais próxima, embora ainda ficasse a mais de trinta minutos a passo.

Ia já a meio caminho quando algo me perpassou como uma flecha afiada. Tu não és assim. Rodei cento e oitenta graus sobre a rota que tomava e corri. Esqueci o cansaço que as ondas me tinham causado e o frio que atravessava a fina camisola, entranhando-se nos poros da pele. Cheguei novamente à praia.

Ainda lá estava, sem dar mostras de se ter movido um milímetro. Aproximei-me e pus em prática o que tinha visto nas séries que envolviam salvamentos: massagens cardíacas ritmadas seguidas de ventilação direta na boca. Um, dois, três, quatro, ia repetindo baixinho. Ao fim de pouco menos de meia dúzia de tentativas, ouvi uma tosse fraca e indicativa de que, pelo menos, a água tinha sido expulsa. A respiração tornou-se mais audível, sinal de que era hora de ligar para o número de emergência médica.

Deixei o mesmo telemóvel que tinha sido usado tanto para o aviso de suicídio como para o pedido de ajuda para o anulamento deste junto à sua cabeça e apressei-me a sair dali. Já nada havia a fazer, agora era apenas uma questão de tempo até aparecerem os médicos e cuidar do seu paciente.

No meio de toda esta situação, apenas uma questão ressoava no meu pensamento. Como teria sobrevivido tanto tempo no frio oceano.

6 de junho de 2014

2 de junho de 2014

Será errado o embaraço que sinto
Por de ti fazer parte?
Sentir-me deslocada por manifesto,
Refém de lusa democracia?

Terra outrora detentora do mar
Agora ínfima, confinada pela tua costa.

Possuidora de um passado que luza
E, agora, de um presente negro
Dominado por confiança limitada.
O progresso é longínquo, 
O teu futuro opaco.

Enches de mentiras
Um buraco do tamanho de um povo
Povo que testemunha a tua derrota
Povo que chora de desalento.

Que cruzadas cometeste
Em prol da tua regressão?

De um império se fez uma colónia
Da história se fez uma fábula
Da imponência se fez o insignificante.

Gerações de glória desfeitas
Por mãos que assolaram a liberdade
Com um espírito tacanho.
A dignidade despovoa-te.

Adormeceste num sono profundo,
Criador de pesadelos
Que te assombram sem escrúpulos.

Acorda, Lusitânia!
Será errado acreditar?