9 de junho de 2014

História de um quase afogamento

Tinha as roupas encharcadas. Tanto eu como ele. Aliás, ensopadas seria o termo correto. A chuva teimava em cair e as ondas rebentavam violentamente contra os rochedos e sobre a areia, cujos grãos mais finos e leves esvoaçavam ao sabor do agreste vento inverno-típico.

Tinha conseguido tirá-lo da água, embora agora estivesse num estado de inconsciência. Sabia que não tinha partido porque ainda ouvia a sua respiração. Fraca, ténue e prestes a silenciar se a água que invadia os seus pulmões não fosse expelida rapidamente.

No entanto, estava exausta. O esforço de lutar contra a maré tinha sido demasiado. O peso do seu corpo, agravado às pesadas vestes e à consciência pesada tinham exigido de mim uma força que nem eu sabia que detinha.

Jazia agora na areia, de barriga para cima, enquanto, sem saber, esperava pela minha decisão: salvar ou partir, pegar ou largar, deixá-lo à vida ou entregá-lo à morte. Quantos antagonismos me trespassavam a mente! Think fast but choose wisely, sussurrava uma voz sumida dentro da minha cabeça.

Levantei-me da areia e sacudi as pequenas partículas que insistiam em permanecer coladas à roupa. Olhei em redor. Ninguém. Mentalmente, construí uma balança com os prós e contras. Um dos pratos começou a pender para o seu lado. É isso. Meteu-se nesta embrulhada, agora que saia dela. Já fiz mais do que devia.

Dirigi-me para as sapatilhas que tinha deixado à chegada da praia, mesmo ao lado do telemóvel com o qual me ligou a avisar-me da sua intenção de «se entregar às revoltas ondas do tenebroso oceano». Peguei nas sapatilhas e deixei o telemóvel, podia ser que lhe fizesse jeito de alguma forma. Avancei até à paragem de autocarro mais próxima, embora ainda ficasse a mais de trinta minutos a passo.

Ia já a meio caminho quando algo me perpassou como uma flecha afiada. Tu não és assim. Rodei cento e oitenta graus sobre a rota que tomava e corri. Esqueci o cansaço que as ondas me tinham causado e o frio que atravessava a fina camisola, entranhando-se nos poros da pele. Cheguei novamente à praia.

Ainda lá estava, sem dar mostras de se ter movido um milímetro. Aproximei-me e pus em prática o que tinha visto nas séries que envolviam salvamentos: massagens cardíacas ritmadas seguidas de ventilação direta na boca. Um, dois, três, quatro, ia repetindo baixinho. Ao fim de pouco menos de meia dúzia de tentativas, ouvi uma tosse fraca e indicativa de que, pelo menos, a água tinha sido expulsa. A respiração tornou-se mais audível, sinal de que era hora de ligar para o número de emergência médica.

Deixei o mesmo telemóvel que tinha sido usado tanto para o aviso de suicídio como para o pedido de ajuda para o anulamento deste junto à sua cabeça e apressei-me a sair dali. Já nada havia a fazer, agora era apenas uma questão de tempo até aparecerem os médicos e cuidar do seu paciente.

No meio de toda esta situação, apenas uma questão ressoava no meu pensamento. Como teria sobrevivido tanto tempo no frio oceano.

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