4 de abril de 2014

To Kill a Mockingbird

Não é de mim dar a minha opinião acerca de filmes, livros e arte em geral. Acho que são coisas deveras pessoais e incapazes de se transpor de ideia para ideia. No entanto, hoje decido aventurar-me na revisão crítica por me sentir obrigado a isso.

Acabei de ler To Kill a Mockingbird, de Harper Lee. Já tinha ouvido falar muito do livro e como devia ser lido - agora concordo - mas não sabia (primeiro pela inconveniência do nome e depois propositadamente) que o autor era na verdade uma autora. Assim que me embrenhei nas primeiras palavras adquiri a convicção de que seria uma mulher. Digo isto porque nunca encontrei um homem capaz de expôr a inocência da alma de uma criança tão bem como Harper Lee o faz, capaz de, num estilo simples e viciante, transpor a realidade social dos estados do sul dos Estados Unidos da América. 

Jean Louise e o irmão mais velho, Jem, vão crescendo ao longo dos cerca de 4 anos em que Jean narra o que vê à sua volta. Atticus, o seu pai, com a ajuda de Calpurnia, a empregada/ama negra, faz o melhor que pode para mostrar aos filhos como é o mundo e como devem agir face a eles, incutindo-lhes valores morais algo peculiares na vida quotidiana de Maycomb County. E Scout (Jean Louise) parece apreender bem a lição, demonstrando-o quando toda a rua os olha de lado por o pai defender, em julgamento, um negro. Claro que alguns defendem a igualdade e justiça humana tanto como Atticus, e esses vão ajudando a educar as crianças, mas outros apenas servem para demonstrar a natureza cruel daquela gente. E é precisamente esta gente, postas sobre a lupa da esperteza inocente de Scout, procurando justificações na sua família, que torna a leitura do livro uma necessidade. O facto de ser uma criança, numa simplicidade extraordinária, a narrar a história, disfarça o degredo moral que se vive por aquelas terras do sul, beatas, morais e racistas; permitindo ao leitor que interiorize lentamente a mensagem de esperança, igualdade e justiça que tanto apreciamos.

O que me leva a admirar ainda mais o livro é ter sido escrito em 1960 e passar-se por volta de 1935. Quem percebe um pouco de história americana sabe que a década de 1960 foi um choque entre falsas moralidades, repleta de confrontos entre quem defendia a igualdade entre raças e quem não a queria - um assunto bem patente e sensível nestes estados do sul. E quem percebe um pouco de história americana e direito sabe que sempre foi assim. Apenas a raça branca tinha todos os direitos e privilégios políticos, as outras eram subjugadas a certas ordens e condições sociais diminuidoras. Foi-o assim em 1935 e continuou a ser em 1960. Daí o livro ter-se tornado de leitura obrigatória nas escolas americanas, por ser uma denúncia às maneiras cruéis dos homens, escondidas pela moral religiosa e social, servindo para desabar com os preconceitos existentes. Vemos na família Finch uma estranheza de valores morais, ainda para os dias de hoje - infelizmente -,  marcados por todo um sentimento de algo a que chamaríamos de bem genuíno, por ser "pecado matar uma cotovia. (...) As cotovias não fazem mais nada senão cantar para nós." - é errado afastar/destruir algo apenas por ser algo, sem não ter feito dano algum, tanto para as cotovias como para os homens. Não é a ingenuidade de uma criança como Jean, nem a incompreensão social da realidade que a rodeia que marca o sentimento geral deste livro, é mesmo a noção de valores que nos foram consagrados na Carta dos Direitos do Homem.

Concluindo, tenho pena de já ter acabado de ler o livro. Raramente compro livros - acho que os livros são fontes de divulgação, lê-se e passa-se a outro, apenas fica a história - mas "To Kill a Mockingbird" fez-me sentir a necessidade de o ter para mim, para nunca me esquecer do que li. Mais, vou arriscar e ver o filme Na Sombra e no Silêncio de Gregory Peck (1962), uma adaptação do livro.

Um grande bem haja, Harper Lee.

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