9 de maio de 2014

Por favor, não me deixes parar de respirar

Está uma noite fria.

A varanda mais parecia um festival de tecidos, com todas aquelas roupas a esvoaçar por cima de mim, despenteando-me o cabelo que tinha sido criteriosamente lavado e esticado, há pouco mais de um par de horas.

Agora já não. Livrei-me de todas as vestes que ondeavam ao sabor do vento e permanecia agora sozinha naqueles dez metros quadrados rodeados por grades, por todos os lados exceto um. Grades que me dão um pouco abaixo da anca. Perfeitas para assentar os cotovelos e contemplar a fileira de edifícios tristes que estavam na rua à minha frente. Perfeitas para pincelar de cores alegres para contrastar. Perfeitas para trespassar de um só salto…

Mas não hoje, não nesta noite fria. Está demasiado agreste para pensar sequer em afastar-me do abrigo a que chamo casa. Só o facto de permanecer em pé numa varanda de um décimo primeiro andar já é um feito de notar. 

Sento-me no pequeno banco feito de madeira envernizada, o único mobiliário que resta aqui. Retirei os jarros de flores exuberantes, as decorações de parede a imitar animais felizes esvoaçando na primavera e até mesmo a pequena mesinha que servia de apoio para os meus livros.

Lá dentro reina o silêncio. Não se ouve vivalma. Partiu. Não deixou qualquer rasto para trás, empacotou artefactos dentro de caixas e roupa dentro de malas, provavelmente temendo uma perseguição da minha parte. Não tentaria, mas também não me importo que tudo se cinja, por fim, a um silêncio avassalador, insignificante.

Agora nada disso importa, porque algures no mundo há um teto a desabar com toda esta tempestade. Há alguém que, por muito longe que esteja desta tempestade, está a segurar a mão de outro alguém, assistindo ao seu último suspiro. “Por favor, não me deixes parar de respirar”. Pff, pedidos vãos e inexequíveis, facilmente levados e arrastados pelo vento.

O vento, esse que ainda não se rendeu e convidou a sua aliada chuva para vir brincar à apanhada. Competindo para ver quem corre mais. Do meu ponto de vista, um empate é algo plausível: as minhas roupas estão tanto molhadas quanto frias.

A fechadura da porta é rodada e faz o ruído característico de algo antigo e que precisa de ser oleado. Talvez seja este o sinal para voltar para dentro. Talvez tenha voltado em busca de um teto e de alguém para conversar. Ou talvez seja a minha mente, que continua a divagar, muito para além da realidade. Que esteja a criar matéria onde apenas há vazio. Não sei até que ponto confio no meu discernimento. Sei que temo o dia em que, eventualmente, deixe de sentir e de pensar; receio o dia em que tome consciência de que toda a minha vida não passa de um desígnio da minha imaginação e que, afinal, estou presa numa cama de um hospício, considerada louca porque vivo numa realidade paralela e inexistente.

Abro a janela e preparo-me para entrar em casa, refugiar-me do mau tempo, ir ao seu encontro e pedir-lhe ansiosamente que desta vez me agarre a mão e que, por favor, não me deixe parar de respirar.

Sem comentários: